Sabe aquela piadinha sem-graça da comida chinesa – que na China é só comida? Chegamos a Bolonha com essa dúvida: será que dá pra pedir um macarrãozinho à bolonhesa sem passar vergonha? Estava muito curiosa para conhecer Bolonha, uma cidade que reúne o que eu mais gosto na vida: estudar e comer! Pra quem gosta de aprender, não deve haver melhor lugar no mundo que a Itália. Dá pra acreditar que quando Cabral chegou ao Brasil, Bolonha já tinha uma universidade com quase 500 anos de tradição?
Bolonha é a capital da Emília-Romagna, uma região bastante desenvolvida ao norte da Itália. Viajando no trem de alta velocidade (300Km/h), fica a praticamente 1 hora de Milão. Foi fundada pelos estruscos, habitada pelos romanos e também fez parte da chamada “República Cisalpina” – o território que ficou sob o comando de Napoleão Bonaparte após à Revolução Francesa, correspondente a uma boa parte do que hoje é a Itália.
Bolonha é conhecida como “la dotta”, ou seja, “a sábia”, devido à universidade super prestigiada, “la grassa” – “a gorda” – pela boa comida e “la Rossa” – a vermelha, por vários motivos: olhando em panorâmica, é bem vermelha mesmo porque muitas casas da parte central são feitas com o tijolo em terracota, que se mistura um pouco com o telhado. Há quem diga que o vermelho é em homenagem aos intelectuais da universidade. Já eu prefiro a terceira hipótese: é vermelha como o molho!
Vamos falar de comida, então! Estamos acostumados com a idéia de que massa é massa e que em toda a Itália se come mais ou menos igual. Mas não é bem assim. Já faz um pouco mais de um ano que estou morando em Milão e continuo descobrindo tipos de massas que nunca tinha visto na vida – isso que sou descendente de italianos, adoro cozinhar e dar umas bisbilhotadas em assuntos de gastronomia! A cada cidade italiana onde chego, descubro alguma novidade e, juro, pelo menos um tipo diferente de massa! Os pratos típicos de Milão, por exemplo, são o risotto de açafrão com ossobuco e, como não poderia deixar de ser, o bife à milanesa! Aqui eles chamam de “cotoletta alla milanese”.
Já em Bolonha, tive várias surpresinhas: a primeira foi uma massa que se chama gramigna – pronuncia-se “graminha”. É um tipo de macarrão arredondado; costuma ser servido com um molho de lingüiça.
Também fiquei sabendo que os "tortellini" são típicos de lá; é uma massa enroladinha recheada com carne. Parece capelletti, mas eles juram que não é! A diferença está basicamente no recheio. É difícil explicar o formato, é tipo um chapeuzinho dobrado (vejam as fotos, consegui umas muito lindas para o post todo nos sites Bolognatoday e GrandeNapoli,it); é servido com caldo de carne: o “tortellini in brodo” – e é uma receita típica do natal.
Agora eu vou contar a maior surpresa que tive em Bolonha: a lasanha! E verde, ainda! A verdadeira lasanha bolonhesa é feita com a massa de espinafre, camadas alternadas entre molho branco (bechamel), “O Molho” bolonhês, manteiga e parmesão. Nunca tinha passado pela minha cabeça que a lasanha teria um lugar de origem, sabe aquele tipo de comida que parece ter existido sempre? Ou pelo menos desde as épocas bíblicas, tipo: pão, vinho e lasanha! Parece brincadeira, mas olha só o que descobri: os romanos da época do Império comiam um tipo de massa muito parecida ao que hoje é a lasanha, chamada “laganon”, e como eles viveram na região da atual Bolonha, vai ver que é quase bíblica mesmo!
Os napolitanos também reivindicam a autoria da lasanha, só que a deles é completamente diferente da bolonhesa: é feita com o ragu napolitano (uma mistura de carne de vaca, lingüiça e o concentrado de tomate, cozida por umas 6 horas), almôndegas pequenas no recheio (além das carnes do molho), ricota, pecorino (queijo de cabra), um outro queijo que se chama cacciocavallo (é feito com leite de vaca! Eu perguntei no supermercado, não tem nada a ver com cavalo!) e com a massa branca, obrigatoriamente! É um prato típico do carnaval, dizem que é pra dar energia pra criançada, já que o carnaval aqui é mais uma brincadeira mesmo! Com essa lasanha aí, não deve faltar energia! Vou ter que ir lá provar! Mas de volta a Bolonha, ainda falta o principal: o macarrão!
Toda a gastronomia italiana está regulamentada pelas chamadas denominações de origem. Além disso, os italianos prezam muito pelo rigor no processo de confecção e, atualmente, pela etiqueta “feito na Itália”, com ingredientes 100% italianos – e se respeitar o conceito de Km zero, ou seja, produção local, sem a necessidade de transporte, melhor ainda! Por isso, se queremos comer o prato mais típico de Bolonha, devemos pedir um “tagliatelle al ragù”. Mas se você acha que é simples assim, vou ter que te decepcionar... aí vão todas as regras para fazer um macarrão verdadeiramente bolonhês:
Comecemos pela massa! O tagliatelle é o macarrão comprido e achatado, feito com ovo e farinha (algumas massas não levam ovo na composição) e deve, obrigatoriamente, medir 7 mm de largura enquanto cru (depois de cozido passa a 8mm) porque é a proporção correspondente à 12.270ª parte da altura da torre de Asinelli, que é uma das torres do centro histórico da cidade. Tudo isso foi registrado na Câmara de Comércio de Bolonha em 1972, pela Delegação Bolonhesa da Academia Italiana de Cozinha. E tem mais: a Delegação deixou para exposição ao público uma amostra em ouro do tagliatelle perfeito! Muito chique!
Passemos ao molho, cuja receita também está registrada: carne moída (metade vitela, metade suína), azeite de oliva misturado com manteiga, cebola, salsão, cenoura, vinho tinto, alecrim, bacon, sal e pimenta para o tempero; polpa de tomate e um pouco de leite completam o molho, que deve ser cozido em fogo baixo por horas! E a gente aqui pensando que um macarrãozinho à bolonhesa fosse simples! Por isso, os italianos se incomodam tanto em ver seu patrimônio cultural transformado em “qualquer coisa” pelo mundo. Cada massa tem um molho ideal e essa combinação tem a ver com o formato da massa e a consistência do molho. O molho carbonara, por exemplo, é ideal para o espaguete, assim como o pesto genovês deve ser utilizado com massas de superfícies irregulares, como o fusili (o nosso parafuso!).
E para terminar: já sabemos direitinho o que é o tagliatelle; agora faltam os outros da sequência dos achatados! Achei o máximo: os tagliolini medem de 1 a 2mm (é o “talharim”, típico do Piemonte!); já os fetuccini, típicos do Lázio, ou seja, Roma, medem 3 a 5 mm; o pappardelle, 13 mm e termina com a lasanha, totalmente retangular. Nunca mais vai comer macarrão sem o devido respeito, né? O pior é quando a gente começa a se acostumar com a massa feita em casa... acaba a alegria de cozinhar rapidinho a do pacote!
Totalmente de acordo!!!!!! Curioso que o próximo texto já está escrito e falo justamente sobre isso e como foi lá na Rússia sem entender os cardápios!)É bem isso mesmo, a comida italiana é segura e existe muita massa muito bem feita fora da Itália! Talvez não com tanto rigor, mas muito bem feitas! (Um certo rapazinho em Floripa, por exemplo, que faz umas pizzas extraordinárias!😉)
Nas minhas viagens a serviço no exterior, sem tempo para experimentações, a preocupação era evitar "comidas exóticas" . Então, corria para os restaurantes e cantinas italianas, onde eu não tinha dúvida do que pedir. Provavelmente eram pratos que irritariam um verdadeiro "chef" italiano, mas evitavam os efeitos colaterais (incluo nesses efeitos também ficar com fome após as refeições...rsrsrs...).
Pois é! Muda mesmo! Eu amooooo as pizzas brasileiras, mas tenho que admitir que é outro conceito!!!!! A gente cozinha o macarrão sem muito critério de tempo, usa o molho que tiver, pronto, fácil, rápido, etc! E aqui a gente aprende que com ingredientes muito simples, mas tudo fresquinho e feito na hora, a gente tem uma comidinha digna de um super restaurante, né? Mas é aquele negócio: slow food!!!! E louça pra lavar kkkkk - vou ver o canal, sim!!!! Bjo!!!
Adorooooooo!!!! Lá no Brasil minha família pensa que ficamos frescos, mas é que comer macarrão e pizza aqui muda completamente o conceito daquele espaguete com salsicha da infância : )))
Rô, veja no YouTube o canal pasta grannies, é uma maravilhosidade!