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Minha Vida Internacional

Updated: Sep 12, 2019

Caminho para Machu Picchu, Peru

Durante os anos em que estudei relações internacionais, fui entusiasta das pesquisas sobre a paz; específicamente, sobre a cultura da paz. Para entender algo aparentemente simples, foram necessários uns bons anos de estudos de história, das guerras, “da guerra”, em si, filosofia, sociologia e até mesmo de religião. A paz é muito complexa! Já parou pra pensar nisso? Pra você, por exemplo, o que é paz? Quando você sente que está em paz? Quando vai viajar? Quando brinca com seus filhos? Quando vai ao cinema? E o que você pensa sobre um país em paz? Estamos viviendo uma época de paz?


Em um primeiro momento, a gente tende a pensar – e aprende na escola – que a paz é a ausência da guerra. No caso da nossa vida pessoal, acredito que é senso comum acreditar que ter paz é estar tranquilo, sem problemas, sem conflitos! Mas, cá entre nós: até o Papa tem um monte de problema, quem dirá você e eu! Isso quer dizer que o ser humano nunca conseguirá viver em paz? – Olha aí a necessidade da filosofia e da religião para pensar a paz!


Quando terminei minha dissertação de mestrado, a única certeza que ficou foi a de que Sócrates, o filósofo grego, depois de mais de dois mil anos, continua tendo razão: “só sei que nada sei”! Senti que precisava de um tempo de “vida real”, de experiência fora da universidade para ver se tudo aquilo que eu tinha estudado poderia ter alguma utilidade prática ou se era só teoria mesmo.


Durante essa fase de transição, que não foi nada pacífica, conheci uma pessoa muito especial que, em relativamente pouco tempo, se tornou meu marido. O fato de ter estudado relações internacionais me permitia trabalhar em qualquer lugar, então acabou acontecendo o inevitável: me mudei para Lima, no Peru, onde ele trabalhava naquele momento. Logo surgiu uma proposta de trabalho muito bacana, mas que não tinha nada a ver com “guerra, paz ,segurança internacional”: era uma empresa que importava vinhos!


Digamos que, naquele momento, acabei instaurando uma nova área de análise para a construção da paz na vida real: tome uma taça de “Brunello di Montalcino” e harmonize com um pedaço de queijo parmesão, daqueles bons mesmo, pra você ver se chega ou não ao nirvana! Brincadeiras à parte, era a mudança que eu queria. Minha vida se tornou um verdadeiro laboratório de relações internacionais: eu tinha me casado com um diplomata e, curiosamente, estava vivendo o “lado B” das relações interncionais. Só espero que você não ache que esposa de diplomata passa o dia todo bebendo espumante! Pensando bem, naquela época eu até passava, mas era pelo meu trabalho, não o do meu marido!


Los Roques, Venezuela

O fato é que comecei a entender o significado concreto, real e pleno da paz que eu tanto pesquisei na universidade lá por volta do ano 2010, quando nos mudamos para a Venezuela. Só que essa compreensão chegou pela vivência de absolutamente tudo o que é oposto à paz! Nos livros, a paz é a ausência das guerras, conflitos, insegurança e instabilidades em tudo o que se refere ao bem-estar físico e psicológico. Chegue à sua própria conclusão do que foram esses anos de “laboratório”! Nem Brunello de Montalcino com parmesão davam conta do recado! De bom, mesmo, só os amigos, venezuelanos e de muitas outras nacionalidades, e Los Roques, um arquipélago que é quase indescritível de tão lindo.


Deixando Caracas, fomos morar em Assunção, no Paraguai. Vida tranquila, pessoas amáveis, pouquíssimo trânsito, comida fresca e abundante: nos livramos da escassez! Você reparou nas características que acabo de descrever sobre Assunção? Não tinha mais que estocar papel higiênico! “Uhul”! Você já tinha valorizado um rolo de papel higiênico alguma vez na sua vida? Hoje em dia eu dou valor a muita coisa que você nem imagina!


Assunção, Paraguai

Para quem tinha acabado de chegar de um lugar onde você saía na rua sem saber se voltaria vivo pra casa, o Paraguai era o paraíso! Conhecer essa região entre a fronteira com o Paraná e o norte da Argentina foi bom demais! Lições e lições de história, geografia, linguística – e churrasco com os amigos todo fim de semana! Para nós, paz, paz e paz! Mas para muitos amigos do meio diplomático que chegavam de países com grandes índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida, adaptar-se a esse estilo de vida, por incrível que pareça, não era tarefa muito fácil. Olha aí como é complexo conseguir uma definição exata da paz!


Dois anos e meio depois, chegou a hora de deixar o Paraguai e voltar para Lima, no Peru, onde vivemos durante três anos. O Peru é um lugar muito especial para mim; é minha segunda casa. Foi lá onde minha filha nasceu e onde eu comecei a entender a América Latina da qual nós, brasileiros, não necessariamente pertencemos. Você se considera latino? Faça o teste: encontre uma música “latina” (percebe que até pra identificar o tipo de música eu preciso colocar em uma espécie de “pacote”?) e tente identificar se é salsa, merengue, criolla, reggaeton, cumbia e por aí vai! Nem sabia que existia tudo isso, né? Nem eu, naquela época! Foi parte do meu laboratório!


Igreja Nossa Senhora de Fátima - Miraflores, Lima, Peru

Vou mudar de assunto, mas é para conseguir chegar ao objetivo inicial deste texto. De repente, percebi que onze anos haviam passado desde aquele momento em que eu buscava mais ação e menos teoria. Foram anos intensos, de altos e baixos, conhecendo muitas pessoas, lugares, comidas e tradições, até que eu comecei a sentir que talvez estivesse chegando onde eu queria no equilíbrio entre experiência de vida e de biblioteca. Senti que gostaria de compartilhar muito do que já tinha vivido por aí e que também havia chegado o momento de retomar a cultura da paz.


Há um pouco mais de um ano, estamos morando em Milão, na Itália. Estou relativamente fora dessa turbulência toda que está sacudindo o Brasil, porém o suficientemente perto para lamentar profundamente a situação mental em que se encontram os brasileiros neste momento. Há uma guerra psicológica ultra armada acontecendo e os brasileiros foram recrutados de maneira voluntária e inconsciente. Quer mais uma verdade dolorida? Estão indo felizes e confiantes para a trincheira todos os dias. Seja o primeiro “hater” deste texto se você ainda não bloqueou alguém no facebook ou se afastou de algum familiar ou colega de trabalho! Nas guerras “clássicas”, sabe o que é que destrói famílias, escolas, empresas e separa amizades de uma vida inteira? Um bombardeio.


Os livros e as religiões coincidem que a paz começa na mente de cada um. Como é o seu dia-a-dia atualmente? Posso adivinhar? Você acorda, confere se o celular foi recarregado a noite toda e já entra no facebook, whatsapp, instagram, etc. (Não estou recriminando, eu também faço isso!) Aí você dá uma passadinha de olho nos jornais e, meia hora depois de ter acordado, já está com raiva suficiente para bloquear mais uns três ex-melhores amigos, escutou de novo que o mundo não tem mais jeito e pode acabar a qualquer momento, seja pelo aquecimento global, pelas partículas de plástico que saem da sua roupa quando você lava na máquina, ou pelo tal do meteoro que há anos tem grandes chances de acabar com a Terra e que a NASA confirmou que, desta vez, amanhã colide mesmo.


Aí você começa a discutir com aquele povo sem-noção (sua lista de amigos) no facebook e quando percebe, (na verdade, nem percebe mais) passou o dia brigando com todo mundo, não deu tempo de fazer tudo o que você gostaria ou tinha que fazer, está com um mal-estar crônico, dores nas costas, problemas de digestão, teve que tomar um remedinho pra dormir, estimulante pra acordar e não produziu ou acrescentou nada de útil para a sua vida. Se essa não é uma modalidade nova de guerra e bombardeio, não sei o que é.


Minha proposta: desapega! Afinal, o que você ganha o quê com isso tudo? Ficar brigando pela internet traz algum benefício para você e para a sua família? Cuidado também com o que você “deixa entrar” no seu campo mental, ou seja, com o que você assiste, principalmente antes de dormir. Se você gosta de leitura ou cinema, escolha algo que o deixe feliz, que o faça rir – ou que o faça pensar, se você faz a linha mais “cult”! Seja o que for que você goste de fazer, saia dessa órbita da violência. Bons pensamentos, sempre! Lembre-se das aulas de física e química na escola: “semelhante atrai semelhante”, ou seja, se você estiver bem, atrairá virtudes porque suas percepções estarão direcionadas para elas. Já o contrário é o processo de retro-alimentação do terror que está ocorrendo atualmente.


Além disso, insisto no bom e velho Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Detesto esses “chavões”, mas esse continua sendo muito necessário; sabe por quê? Se a gente parar pra identificar o que a gente realmente gosta (e também o que não gosta!), pensar no que nos faz bem, nos nossos planos a curto e longo prazos, a gente se concentra no que realmente importa. Aí, um dia, a gente vai perceber que realizou esse ou aquele sonho, que batalhou e logo vai realizar aquele outro, ou simplesmente, que falta ainda muito para conquistar essa ou aquela meta, porém, em um determinado momento, estamos onde e com quem gostaríamos de estar, mesmo que a melhor companhia naquela ocasião seja a nossa! Se você gosta de estar sozinho, qual o problema? Enfim, esse estado de consciência tranquila, resultado de ter feito ou estar fazendo o possível pelo desenvolvimento e bem-estar próprio e dos que estão perto de nós, ou pelos quais somos responsáveis, é o que, hoje, eu considero paz. Concorda comigo?


Bragança Paulista, São Paulo, Brasil

Depois desse balanço todo, cheguei à conclusão que é hora de voltar a escrever. Já não acredito que minha contribuição para uma cultura de paz seja algum projeto grande, formal, etc., muito pelo contrário: o que eu quero mesmo e posso fazer é usar o conhecimento que eu saí buscando pelo mundo para produzir um conteúdo de qualidade e uma leitura agradável. O conhecimento não necessita nem deve ser um tédio. Gostaria muito de conseguir despertar nas pessoas, sobretudo nos jovens, dois elementos fundamentais para começarmos a alcançar alguma mudança positiva para o nosso país: o interesse pelo conhecimento, ou seja, querer aprender e gostar de estudar, gostar de ler. Eu sei que, hoje em dia, essa tarefa não tem nada de simples nem pequena; na verdade, é quase utópica! Ninguém mais lê! Mas decidi tentar mesmo assim! É só um começo, uma ideia. Quem sabe ela se espalha por aí?


Aqui começa, portanto, meu novo projeto: Os Passos da Ro! São crônicas; textos leves, quase uma conversa, que têm por objetivo apresentar “algo mais”: uma ou outra situação bizarra que passei por aí, mas que me fizeram pensar, fatos interessantes sobre história, lugares, arte, tudo o que fui descobrindo pelo mundo e que não gostaria que se perdesse! Escreverei informalmente sobre uma maneira de viver que não é nada comum para a maioria das pessoas, mas é como eu vivo – por exemplo, o dia em que o Plácido Domingo quase veio jantar em casa! Um pena, mas foi só “quase”! Falarei também muito sobre comida, tradições, viagens e reflexões. Quero que esta nova etapa seja, para mim, a realização de uma meta que finalmente tem condições de se concretizar e, para quem ler, um momentinho de fuga da trincheira: um pouquinho de paz!


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4 Comments


robertaizzo
robertaizzo
Nov 02, 2019

Flá, muito obrigada! Fico muito feliz que tenha lido e que esteja gostando! Apesar de o momento ser de podcasts, resolvi apostar na escrita, simplesmente porque amo escrever e me recuso a acreditar que as pessoas já não queiram ler! Beijão pra você também!

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Flávio Lira
Flávio Lira
Nov 02, 2019

Rô, li todos os textos do seu blog e estou gostando muito. Tinha quase me esquecido de como vc escreve bem e de maneira tão envolvente. Meus parabéns por resgatar um modo de se comunicar que é essencial para o nosso desenvolvimento (a escrita tranquila seguida da leitura tranquila). Realmente, é isso que dá paz para nós - precisamos da construção e da interpretação vagarosa e bem-cuidada - sem isso não aproveitamos a vida e os momentos que ela traz. Seguirei acompanhando os posts sempre! Um beijão!

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robertaizzo
robertaizzo
Sep 12, 2019

Muito Obrigada, Maya! Muito linda a história da fundação na Turquia, é uma grande lição para todos nós!

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Ana Luisa Maya Maya
Ana Luisa Maya Maya
Sep 12, 2019

Rô <3 adorei seu texto! Acho que já te contei essa história, mas um dia fui a uma inauguração de uma fundação na Turquia. Foi criada por um embaixador turco já aposentado que perdeu o único filho para uma doença implacável e meses depois a esposa, que não resistiu a tamanha perda. Aquele pai não sabe, mas me deu uma grande lição: o que fazer com o que a vida nos impõe. No caso dele, existiam duas vias claras. Viver pra sempre a dor e o luto, ou transformar a dor em uma fundação que ao demonstrar toda a genialidade das obras do filho arquiteto, também ajudaria outras pessoas a vencerem o câncer. Então com seu texto, fico orgulhosa em…

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